quinta-feira, 24 de março de 2011

Como falar de morte com as crianças

A morte é a certeza mais misteriosa da vida. Essa contradição a torna tão difícil de ser compreendida, que dirá explicada às crianças. Entender como funciona a mente infantil ajuda a ensinar nossos filhos como lidar e conviver com esse tema


No playground do prédio, Nina brincava com o irmão quando viu os tios chegando. Aí veio seu avô. Ué, não tinha nenhum encontro da família, por que estavam todos ali? Pouco tempo depois pediram para que os dois subissem e foi no quarto dos pais que a mãe e o avô contaram o que acontecera. A avó havia morrido de repente e todos estavam muito tristes. Quando ela viu a mãe ir ao banheiro para chorar, a menina não teve dúvidas: “Mamãe, abre a porta para eu ficar com você. A vovó sempre dizia que a gente não deve chorar sozinho”.

Vilma, a mulher do cartunista Ziraldo e avó de Nina (que tinha 7 anos na época), morreu em 2000. Dois anos depois, a história dela com os netos se transformou emMenina Nina, Duas Razões para Não Chorar (Ed. Melhoramentos). São desse livro, que vai virar peça de teatro (leia mais nesta matéria), as ilustrações desta reportagem. Ziraldo trata a morte de um jeito simples, como criança entende, singelo e bonito. Foi o jeito que o cartunista encontrou de confortar seus netos, filhos, e a si próprio fazendo uma homenagem à mulher com quem passou mais de 40 anos de sua vida: “Músicos fazem um réquiem, os rajás fazem palácios (como o Taj Mahal), os escritores fazem sonetos, eu escrevi sobre ela quando pude”, declarou em entrevista à CRESCER.

Foi a própria Nina que nos contou como foi saber da morte de sua avó. Ainda hoje, 11 anos depois, ela se emociona ao lembrar como foi duro para a mãe e o avô darem a notícia a ela e sofre por não ter mais a Vovó Vivi por perto. Falar de morte com crianças não é mesmo nada fácil. Como a gente pode tentar explicar uma coisa que não entende e que é tão dolorida? Dá uma tentação louca de que nossos filhos não precisem passar por isso, muito menos quando tão novos. Sim, isso já passou pela cabeça de qualquer um que tenha filhos, mas o melhor mesmo é que seja só um desejo utópico. Uma das coisas que todos os especialistas entrevistados para esta reportagem disseram é que, independentemente da idade do seu filho e da situação – se morreu um bicho de estimação, um parente próximo ou um conhecido distante –, não se deve mentir ou esconder o fato das crianças. “As crianças são só crianças, não bobas”, afirma Maria Helena Franco, psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Luto da PUC-SP.

É difícil dizer o que seu filho entende em cada idade. Diferentemente dos aspectos do desenvolvimento motor, o emocional é mais individual e depende também das experiências de vida de cada pessoa e família. Mas é certo que, mesmo tão cedo quanto aos dois anos, as crianças são capazes de perceber mudanças no clima e nas emoções da casa. Então seu filho vai perceber se você estiver triste, preocupado, ou agindo diferente. “Se os pais escondem da criança que um cachorro ou peixe do aquário morreu, dizendo que ele fugiu ou sumiu, e depois ela vê o bicho morto, ou mesmo ouve uma conversa sem querer, ocorre a quebra da confiança que ela tem em seus próprios pais”, explica Rita Callegari, psicóloga do hospital São Camilo (SP).

A gente também se engana quando acha que nossos filhos nunca ouviram falar em morte. Ela está nos livros infantis, nos filmes – os pais de Simba morrem em O Rei Leão, a Branca de Neve cai em sono eterno ao morder a maçã, os vilões são mortos pelos mocinhos no final –, nas notícias da TV, nas conversas das pessoas na rua. Também está naquele pernilongo que ela vê morto, nas flores que murcham no vaso.

A diferença é que, até por volta dos 6 anos, a criança não entende que a morte é irreversível. “Nessa fase ela não difere fantasia da realidade, acredita que, assim como nos desenhos animados, dá para se levantar depois que cai uma bigorna na sua cabeça”, ensina Julio Peres, psicólogo e autor do livro Trauma e Separação (Ed. Roca). Ele explica que é preciso deixar a criança “brincar de morto”, sem repreender. Isso, somado às pequenas mortes do dia a dia, dos insetos, plantas e pequenos animais, são um bom treino para entender a sequência da vida e facilita na hora de lidar com uma morte de alguém próximo.


Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI213981-10496,00-COMO+FALAR+DE+MORTE+COM+AS+CRIANCAS.html

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